Eu: Celso Mardanthí Bramahparush: Minha Odisséia Acadêmica

UMA “HISTÓRIA ORAL DE VIDA ACADÊMICA” VIVIVA DENTRO DA U.F.RO





Paradoxalmente, a Instituição que “forma” mão de obra para as escolas públicas e privadas e Historiadores é a mesma que, por motivos óbvios, mas inaceitáveis, dificulta e até impede a pesquisa séria de sua própria história por parte dos historiadores que ela mesma preparou e por pesquisadores de fora. Então, devido a esta inacessibilidade aos seus arquivos, foi preciso recorrer à memória das vivências acadêmicas de um ex-professor da universidade que tive a oportunidade de registrar antes do seu falecimento súbito. Esta é a transcriação dos relatos orais deste ex-professor da UNIR, cujo nome verdadeiro será mantido em sigilo para que seus filhos ou simpatizantes não sofram nenhuma represália, direta ou indireta, por parte, de quem ainda ocupe alguma posição de poder dentro da mesma e, movido por um espírito silenciador, tente se vingar do morto, atingindo os vivos que tenham alguma relação com ele. Dizem que a alma dele vagueia pelo campus assombrando aqueles que trabalham para que a Universidade seja, de fato, um patrimônio público para todos e tenha um funcionamento transparente e democrático. Quem sabe, por meio desta “história oral de vida” [possível], possamos ter uma compreensão mais próxima da realidade que a Universidade federal de Rondônia- U.F.RO vivencia. Mas, uma advertência: esta não é a História Oficial da Universidade Federal de Rondônia.


1. Quando criança, eu me senti espiritualmente vocacionado e, na minha juventude, finalmente atendi ao chamado de Deus: entrei para o seminário católico que ele me apontou. Foi uma tremenda emoção; quantas coisas maravilhosas eu pude ver, ouvir e sentir: inclusive o que para a Instituição era tido como abominável. Não se tratava de pensamentos cismáticos: longe de mim virar um herege! Nada disso, eu sou uma pessoa profundamente religiosa. Tratava-se apenas de um sentimento especial que era proibido demonstrar publicamente. Fui aconselhado por alguns colegas a guardá-lo no armário para eu não sofrer perseguição por parte dos meus professores. Foi justamente aí que começou o meu sofrimento no seminário: eu jamais desejei me esconder no armário, eu jamais quis reprimir meus sentimentos, fingir ser quem não sou. Mesmo sendo de uma família de forte tradição militar e de um fundamentalismo católico extremado, recusava camuflar meus novos sentimentos que aprendi, junto com a teologia tridentina que lá me ensinaram fora de minha casa.


2. Não agüentei viver assim tanto tempo lá dentro, infelizmente. Era melhor sair dali - pensava eu. Precisava de mais liberdade, de mais espaço não apenas nas roupas que passei a vestir nesta época. Também, a minha obesidade transcendia ao meu corpo, minhas paixões oficialmente proibidas e clandestinamente exercidas precisavam fluir fora daquele lugar com mais liberdade. Decidi então abandonar seminário, para não ser obrigado a deixar de ser quem eu me tornei lá dentro.


3. Tal decisão não foi fácil. O tempo que lá fiquei refinaram não apenas meus sentimentos, militarmente, educados pelo meu pai. Meu paladar também ficou delicado. Comia tudo do bom e do melhor no seminário. Arrotei muito! Esta será a única lembrança boa que guardei daquele lugar. A disciplina era rígida o tempo todo: mas as refeições pareciam compensadoras à beça. Tive também excelentes professores. Eles pareciam ter decorado todos os livros que nos mandavam decorar também. Tinham uma memória enciclopédica. Aí de nós se, durante as sabatinas que eles costumavam promover, a gente não respondesse conforme grafados nos livros que eles nos obrigavam a ler. Eu ficava profundamente bestificado com a retórica deles, quando eles nos passavam todos aqueles conteúdos durante suas aulas. Lembro muito bem do professor de história antiga: Fustel de Coulanges e sua Cidade Antiga era seu autor predileto e mais citado por ele. Como era que eles conseguiam fazer isso? Eu os admirava muito e tinha vontade de ser que nem eles algum dia: não só admirado, mas temido! Pena que não ganhavam muito dinheiro pelo o que faziam. Para você ver que desde aquela época professor era desvalorizado. Um dos meus professores só andava de fusca. Cheguei a pegar muita carona com ele, quando meu pai não ia me pegar nos finais de semana ou feriados santos. Apesar de tudo, o seminário me marcou muito. Sabia que eu iria sentir muita falta dele, do conforto lá experimentado, das aventuras clandestinas e sem vergonha que participei nas alcovas católicas daquela instituição sagrada. Ah, se a imagem de São Judas Tadeu falasse,..., o que não diria de mim? Digo: de nós ó Alighieri. Que Deus o tenha na sua infinita morada hoje. Mas não tive mais como ali permanecer, minhas luxúrias eram carnais de mais para permanecer ali.


4. Graças a Deus, sendo meu pai um maçom e um militar de carreira que saiu do anonimato graças à brilhante atuação dele na delação e repressão aos comunistas lá no sudeste do país, após a vitória da revolução de 31 de março de 1964, foi premiado com uma transferência definitiva para atuar como chefe da filial do SNI [Serviço Nacional de Informações] em Porto Velho. Ele, apesar de ter sido um homem muito ríspido, machão e intolerante com os trejeitos delicados de alguns subordinados dentro dos quartéis que ele serviu, era um cara discreto, humilde, não gostava de aparecer. Era um homem de bastidor, de alcova: neste lugar parecia ser outra pessoa. Este seu lado discreto não passava despercebido por certas pessoas noturnas desse Estado. Não havia ninguém desse meio que resistisse a um pedido dele. Acho até que puxei muito isso dele. Já minha mãe, coitadinha, uma católica fervorosa que, quando moçinha ainda, participou ativamente da TFP [Tradição, Família e Propriedade], na mocidade se fez presente também na Macha da Família com Deus pela Liberdade. A propósito, foi lá onde se apaixonou pelo papai. E na meia-idade se tornou muito amiga do bispo da cidade que nos acolheu. Ora, não havia como eu ficar desamparado fora daquele seminário né?


5. Não demorou muito: arranjaram um emprego no Estado para mim. Para meu pai isso não era difícil de conseguir. ─“Naquela época não havia concurso para entrar no governo”. ─ Muita gente, pior que eu, analfabetas, foi também transformada em funcionários públicos. Nem precisava ter amigo político para trabalhar para o Estado. Também..., naquela época só vinha tranqueira morar ou se esconder por aqui! Foi assim que, ao invés de ser uma normalista, virei professor delas no Carmela Dutra. Acho que minha formação no seminário pesou muito nessas horas. Fiquei por alguns anos dando, lá dentro, muitas aulas. Foi uma experiência ma-ra-vi-lho-sa! Não foi tão difícil assim ensinar aquelas meninas a utilizarem a cartilha do A.B.C; a saberem quem é que manda na sala de aula, o que diz a história oficial e a temer professores que nem eu, a me obedecer. Fiz isso por tanto tempo, que faço isso até hoje de cor, com os olhos fechado. Incrível né?


6. Foi uma época muito boa. Ganhava bem como funcionário público federal. O trabalho era fácil, repetitivo e respeitado. Depois de alguns anos, as autoridades locais decidiram criar uma universidade por aqui. Arranjaram um local bem comprido, bem no centro da cidade que já foi um hotel no passado e transformaram os antigos quartos de hóspedes em sala de aula, parecia até uma cópia-carbono da Escola Barão de Solimões e da minha escola, Carmela Dutra. Colocaram até um nome chique e pomposo: “UNIR” e foram buscar professores no litoral. Como ninguém de fora se interessava, muitos sequer sabiam localizar Rondônia no mapa, foram atrás da “nata da terra”. Recrutaram muitos professores de segundo grau ou antigo “científico” do Carmela Dutra entre outras escolas públicas locais. Entre os contemplados estava, eu. Putz! Foi uma imensa emoção. Senti-me muito honrado e prestigiado pela oportunidade que caiu do céu para mim. Graças a São Judas Ta-deu que sempre me compreendeu e me protegeu. Foi assim a minha “odisséia” rumo ao garboso ensino “superior”; foi assim que “conquistei” um lugar na atual U.F.RO. Mas isso quando ela apenas era chamada de UNIR. Hoje eu costumo dizer por ai que não houve, naquela época, necessidade alguma de concurso público para ser professor de uma universidade que estava dando seus passos iniciais nesta terra. Para que? Se tinha professores do científico que estavam por aqui? Posso não ter precisado passar por nenhuma banca de avaliadores, mas não foi fácil, como hoje me dizem: pular a janela da UNIR. Ser professor da primeira universidade pública do Estado não era fácil não.


7. Pois é meu filho, eu e meus amigos do Carmela Dutra e de outras escolas da rede, fomos os pioneiros da antiga “UNIR”. Seus “pais” fundadores. Fomos nós, os verdadeiros bandeirantes da universidade de Rondônia. Como a UNIR era uma instituição nova, fomos nós que a moldamos, a formatamos. Nós fizemos o que uma minoria de idealistas - imbecis de hoje tenta desfazer: fizemos dela uma escola grande de magistério, bem melhor que a escola de onde nós nos fizemos como professores, também de magistério. Era como se fosse à escola de segundo-grau Carmela Dutra Togada, melhorada mil vezes. Afinal, éramos e ainda somos professores de uma universidade Pô!.


8. Poucos anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, uma nova horda, perdão, onda de professores-imigrantes começaram a chegar a UNIR. Esta, ao contrário de mim e meus colegas da primeira geração, teve que enfrentar um sofrido e concorrido processo de seleção pública. A mamata havia acabado! Era um povo, com nível superior, oriundos das Universidades Federais do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. Gente muito esquisita, muito estranha para nós. Nunca havíamos tido algum contato com gente assim antes. Eles tinham um linguajar, uma mentalidade e uma proposta de Universidade diferentemente da nossa: a que estávamos muito bem acostumados desde o tempo do Carmela Dutra. Os caras pensavam que Rondônia era a França de maio de 1968. Queriam imitar aqui o jeito como se fazia universidade ali. Era um pessoal que não tinha nada haver conosco, os “nativos”. Trouxeram na bagagem um costume esquisito que tivemos muito trabalho para nos adaptar. Era o movimento sindical, a briga política partidária dentro de nossa UNIR. Foi uma loucura. Os partidos mais atuantes naquela ocasião eram o PT, PC do B e o PMDB. Esses professores da segunda geração, fizeram história com isso: politizaram muito a vida acadêmica desde então. A nossa tranqüilidade acabou. Até os alunos foram contagiados com isso. Entidade estudantil chamada de DCE, uma espécie de grêmio estudantil melhorado foi criada desde então. Com medo da concorrência que começou a surgir, eu que nunca fui um besta: tratei imediatamente, de garantir o meu espaço lá dentro: aliei-me ao reitor e sua turma e consegui ser nomeado pró-reitor acadêmico. Sempre foi proibido e ilegal, poderia perder este meu emprego se tornasse público o que eu fazia por fora da UNIR. Mas, eu sempre me dei muito bem nessa arte clandestina de ganhar mais dinheiro. Nessas horas dava graças a Deus por eu ter passado pelo seminário. Eu dava umas aulinhas nas escolas privadas que começavam a surgir em Porto Velho. Eu era o professor de História. Minha especialidade,coincidentemente era: Antiguidade Clássica e Idade Média. Bons tempos eram aqueles em que o reitor era igual a nós parecia um diretor de escola pública de hoje: nomeado pelo governo e os alunos eram como muitos dos alunos de hoje: “assisti – dores” de aula.

9. Novos concursos aconteceram. Uma terceira geração de professores entrou para a UNIR: muito mais afoita que a sua antecessora. Eram umas pessoas bastante diferentes. Era um povinho pós-graduado oriundos das Universidades Federais do Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. Vieram, diziam eles, com a missão de ir, audaciosamente, onde jamais nenhum outro professor de dentro da UNIR foi antes. Ô turminha desgraçada visse? Boçais! Metidos! Arrogantes! Eu nunca gostei dessa gente: sentia-me desrespeitado, diminuído. Alguns, já entraram na querida UNIR mostrando banca, se amostrando! Comportavam-se como se fossem deuses a procura de adoradores. Eu e a minha turma já ficamos com a barba de molho. Quem era aqueles gregos que “invadiam” o nosso reino?! Diante dessa invasão em nosso território bárbaro, fomos até constrangidos, a posteriori, a nos pós-graduar também e virar “doutor”, alguns lá pelo Pará e outros pelo nordeste para não ficar por baixo deles. Tentamos, no início, até ser amigáveis e nos aliar a eles, mas foi em vão. Infelizmente, eles eram mais inteligentes do que nós todos. Certa vez, numa outra banca de seleção, chegamos até dar um jeitinho de facilitar a entrada de uma prima deles com a graduação em detrimento de uma concorrente local com pós-graduação feita fora do estado, inclusive. Fomos legais, mas esta turma nos sacaneavam com freqüência, com a arrogância deles: olhavam para gente por cima, só porque pesquisavam e publicavam em revistas de outras Universidades mais antigas e reconhecidas. Quando passaram a publicar dentro da UNIR é que ficaram mesmo insurpotáveis. Passaram-nos chamar de “ANTAS”, “RATAZANAS” e congêneres em seus textos. Repudiaram até o nome grandioso da minha amada universidade.


10. Eles até hoje, profanam o bom nome UNIR ao chamá-la por outro nome: U.F.RO. É um sacrilégio! Pior de tudo, é que começaram a fazer muitos seguidores entre os nossos alunos, principalmente, entre aqueles mais talentosos, os que pensavam melhor e pesquisavam mais. Pensei: agora sim, estávamos lascados. Se nós não reagíssemos, seríamos liquidados da universidade! Era preciso tomar alguma atitude, era preciso fazer alguma coisa para frear esta onda: estávamos sendo esvaziados aos poucos. Que raiva! Que inveja santa! Não podíamos mais tolerar tamanha audácia desses “invasores”, que chegaram aqui muito depois da gente. A falta de respeito deles com quem “abriu o caminho” nesta terra tão longínqua era visível. Em meio a tudo isso, percebi que não podia vacilar e ficar de bobeira lá dentro. Tratei de não somente de me pós-graduar, como também, ser mais esperto dentro da universidade: fazer minha cama, aproveitar todas as brechas legais da mesma para ganhar muito dinheiro para compensar minhas limitações intelectuais. Mas fazendo isso discretamente, sorrateiramente, preferindo mais a alcova que os holofotes. Holofotes, a propósito, serviram muito bem para vender meu livro feito junto com meu velho e íntimo companheiro Alighieri. Nós transformamos parte de nossa dissertação num livro didático para ser posto a venda. Ora, porque não juntar o útil ao agradável? Afinal de contas, eram dois professores de segundo grau togados da UNIR ensinando a professores do ensino médio sem toga alguma. O livro foi um show! Foi muito bem aceito no Carmela Dutra onde dei aulas no passado e nas demais escolas públicas de Rondônia. Conseguimos até que ele fosse o único a ser, aceito e incluído na lista do vestibular e nas bibliotecas do Estado.


11. Nesses anos todos, tive de me virar para dar conta do meu padrão de consumo cada vez mais alto e refinado. Sempre tive muitos amigos entre os meninos que eu dava aula na universidade. O engraçado é que cheguei a dar também muita carona no meu fusquinha verde tal como alguns dos meus antigos professores faziam. Eu sempre procurei me dar bem entre eles. Promovi muitas barcas em minha casa. Já na sala de aula, eu caprichava tanto como meus mestres do passado. Porém, ao contrário deles, sempre soube como ser maleável: só era durão quando era conveniente. Sempre soube engolir seco em público para vomitar depois quando tivesse a chance. Para que me expor se havia como ferrar aluno safado discretamente, principalmente durante as avaliações? Mais, o aluno que eu mais detestava e que continuo detestando até hoje, são aqueles que elogiavam meus colegas da segunda e terceira geração na minha em minha aula. Eles ousavam citar trechos do que esses palhaços metidos a intelectuais escreviam nas revistas patrocinadas por um reitor safado, aliados deles na ocasião. Eram petulantes, debochados, se achavam. Viviam também seguindo principalmente um deles que se julgava melhor que nós. Ora bolas, na minha aula não! Dei meu jeito. Não me pergunte como.


12. Houve uma ocasião que este meu camarada inventou de criar um mestrado na área de humanas para, é claro, promover seu grupo. Eu e muitos dos que ele costumava chamar de antas e de ratazanas demos o nosso jeito de esvaziá-lo, de sabotá-lo. Infelizmente era matar ou morrer. Aprendemos muitos com a politicagem que introduziram na UNIR. Ela nos tirou a inocência de antes. Como qualquer curso novo, seja de graduação ou de Pós-Graduação precisa do aval da Capes: não foi difícil sabotá-lo. Bastou que alguns de nossos aliados fizessem de tudo para melar a construção do projeto desse mestrado, porém dando a impressão que não foi por querer; de um jeitinho que os alunos não pudessem reagir a tempo de nos prejudicar com possíveis ações na justiça. Divulgamos o edital direitinho, cobramos como de costume, um valor de inscrição para este mestrado “fanta” e ainda ficamos 4 anos ministrando o curso para duas turmas, aproveitando sempre todas as oportunidades para queimar o grupo do nosso colega metido e ele em especial. Deu certo, como um rato, o idiota foi o primeiro a saltar daquele barco furado, deixando seus “admiradores” na mão! Digo, na nossa mão! Resultado: o mestrado acabou de repente, sem nenhuma explicação precisa. Ou melhor, com diferentes explicações dadas para confundir os alunos trouxas que acreditaram na conversa do nosso coleguinha arrogante. Que derrota infligimos nele! Sabíamos que conseguiríamos transformá-lo, na prática, naquilo que ele sempre disse de nós: um rato. Nunca tivemos maiores problemas com a justiça por causa disso. Quem disse a você que professores de universidade respondem por isso? Sabíamos disso, sabíamos que os bobos dos alunos iriam por a universidade na justiça, mas que isso não mudaria o fato que o mestrado furou e seu idealizador foi o primeiro a contribuir para isso, e melhor: nada sofreríamos: somos importantes, somo professores de universidade federais. A imprensa local é corrupta e mercenária, a imprensa nacional tem mais com que se preocupar que com picuinhas de uma universidadezinha qualquer perdida no fim do mundo, no meio da mata amazônica e a justiça... Enfim, o fato é que conseguimos neutralizar o cara e o grupo dele.


13. Sobreviver dentro da UNIR deixou de ser fácil depois que o ingresso de novos professores passou a ser via concurso público. Passamos a correr um risco freqüente de, aos poucos, sermos passados para trás. Era apenas uma questão de tempo. A experiência das duas gerações que vieram depois da minha deu provas disso. A experiência também nos ensinou a desenvolver mecanismos diversos de preservação de nossa espécie lá dentro. Aprendemos muito com os nossos colegas. Nos organizamos politicamente para ocupar todos os cargos possíveis dentro da administração acadêmica. Temos aliados até entre o pessoal da cozinha e da limpeza. Afinal de conta, guerra é guerra! Matamos ou morremos lá dentro, a produção de conhecimento que deveria ser o foco principal da maioria absoluta dos que fazem aquela universidade, foi deixada para segundo plano. É mais um efeito colateral acidental que qualquer outra coisa. Não é que não pesquisamos, nós apenas damos prioridade aos nossos interesses particulares. Precisamos continuar a viver não é? Se a gente não pensar na gente primeiro, ninguém mais pensará. Temos amor à vida, digo, nossa vida. O resto vem por osmose. Nossa organização funcionou tão bem, que influímos inclusive na renovação do quadro docente da UNIR. Em outras palavras, poeticamente falando, hoje, somos senhores de presente e do futuro da UNIR. Quando surgem vagas e abrimos o concurso, os nossos inimigos só conseguem entrar pelas brechas que deixamos. Afinal ninguém é perfeito não é? Numa certa ocasião, que eu tive de me hospitalizar devido a uma doença grave que adquiri brincando carnaval na banda do “vai quem quer”, soube que alguns integrantes e ex-integrantes do grupo daquele coleguinha que neutralizamos no passado tentaram, via um concurso público, ser professor da UNIR. Eles “se lascaram”. O pessoal deu um jeitinho para impedir isso: primeiro montaram uma banca com dois dos nossos aliados das antigas, do tempo que a UNIR funcionava ainda no antigo hotel e um professor novato, ainda em estando em estágio probatório para garantir que os nossos interesses prevalecesse; segundo: usamos uma leitura própria do edital para arranjar qualquer pretexto para reprová-los. Terceiro: se eles tivessem sorte na primeira etapa, não passaria de jeito algum na segunda, durante as suas aulas para essa banca, faríamos perguntas capciosas para termos uma desculpa para reprová-lo. Enfim, de uma forma ou de outra, não permitiríamos que eles entrassem. Se mesmo assim, eles recorressem, faríamos um lobby pesado, discreto, sem alarde algum para que seu recurso fosse também neutralizado.


14. Graças a Deus, não foi preciso fazer muitas dessas coisas. Os candidatos se conformaram com o resultado: sabiam muito bem com quem estavam se metendo, como também sabia que a universidade tem sua própria justiça, sua própria democracia, sua maneira exclusiva de resolver os problemas que aparecem lá dentro, que são totalmente livres da alçada jurídica externa. E que não teria a mínima chance de vencer, estando do lado de fora. Sabem perfeitamente, que a única chance deles é se algum de nós morrermos, se aposentar ou se não der para estarmos em todas as bancas avaliadoras que surgirem. Coisa ainda provável. Nem nós conseguimos ser onipresentes assim. Por sinal, foi assim que certos candidatos deram sorte e conseguiram fazer parte do quadro docente da instituição. Infelizmente teremos que conviver com esses tipinhos. Mas, felizmente: somos ainda maioria. Eu fico tranqüilo e quieto diante disso. Preciso cuidar mais de mim, esta doença não vai me permitir durar tanto tempo. Mas, se algo der errado e eu não conseguir melhorar, tem meus amigos lá dentro ainda.


15. Posso morrer sabendo que a UNIR continuará funcionando bem, do jeito como acreditamos que ela está. A grande ironia desta minha odisséia é que, mesmo tendo neutralizado o nosso coleguinha arrogante, fumante de charutos cubanos, colecionador de ovos e tagarela: seu sonho se realizou por meio de nós. Não é paradoxalmente incrível? Ele escreveu muito no site dele, nas revistas que conseguiu, no tempo dele, fazer a UNIR patrocinar, escreveu livros de poesias sobre a importância da independência acadêmica, da autonomia da universidade; criticou os que a processam; baixou a lenha em nós e fomos NÓS, os que ele sempre chamou de “antas”, “ratos”, “ratazanas”, “professores de segundo grau”, que tornou real os seus ideais, entre eles, o de uma universidade autônoma e livre da jurisdição da justiça comum. Já ele... Além de ter estragado seu casamento com uma nativa da terra que o acolheu e de ter abandonado seus discípulos a míngua, pediu sua transferência para uma universidade da região de onde ele veio, coisa que não teve também a sorte de conseguir: faleceu antes e caiu no esquecimento. Suas idéias estão banidas da UNIR, seus poucos seguidores sobrevivem na clandestinidade, sempre o negando quando são identificados por alguém da UNIR. Nem é preciso o galo cantar três vezes. Eu, continuo no meu tratamento, meu coquetel de comprimidos é grande e variado. A merda é ter que viver o resto da minha vida dependente dele. Mas tudo bem. É a vontade de Deus e graças também ao meu São Judas Ta-deu, eu ainda sairei dessa. Enquanto isso, continuo minha vida do jeito como sempre a vivi: ganhando meu salário da UNIR, dos projetos dela que vendo para as faculdades locais e do dinheiro que ganho da Secretaria de Educação de Tocantins dando as mesmas palestras de sempre tiradas do livro que escrevi com meu saudoso amigo de todas as horas, o Alighieri.






P.S.: O professor-Doutor Celso Mardanthí Bramahparush, devido a piora da sua saúde, faleceu uma semanas após essa entrevista por falência múltipla generalizada. Seu corpo foi cremado e suas cinzas foram lançadas nas cachoeiras do rio Madeira muito tempo antes delas desaparecerem em virtude da construção de uma hidroelétrica neste local. Porém testemunhas afirmam que ele reencarnou.


Desprof.: Peixoto. 01 de Junho de 2010.



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