CRÔNICA DA VITÓRIA ANUNCIADA

Celso Lungaretti (*)

Quem acompanha meu trabalho, não precisou esperar até este domingo (31/10) para saber quem venceria a eleição presidencial.

Doze dias antes, em 19 de outubro, eu cantei a bola, no meu artigo O diabo trapaceou Serra: tomou-lhe a alma sem dar nada em troca:
"...Serra não encontrou o mapa da mina.

"...Uma mudança surpreendente do quadro só seria possível se Serra fosse um personagem eletrizante; mas, seu estilo é de quem está sempre explicando o óbvio a estudantes burrinhos.

"O aborto (...) da hipotética virada já começa a se evidenciar nas pesquisas eleitorais.

"Pior que a derrota será a decepção causada por Serra àqueles que ainda acreditavam nele.

"Aceitar o apoio e beneficiar-se da baixaria das correntes virtuais ultradireitistas, fazer promessas demagógicas como a do salário mínimo de R$ 600 e colocar uma questão religiosa no centro da campanha o deixou com a imagem de quem pisa até no pescoço da mão para chegar à Presidência.

"O último a projetar tal imagem acabou morrendo na praia. E, convenhamos, fazia bem mais por merecer o ambicionado troféu."
No fundo, minha linha de raciocínio foi bem simples.

Serra se chocava contra um governo recordista de aprovação e que passa por fase das mais auspiciosas: a situação financeira dos cidadãos tem melhorado consistentemente e as perspectivas são de que a economia continue crescendo.

De quebra, a empada não tem uma, mas três azeitonas: o pré-sal, a Copa do Mundo e a Olimpíada.

Então, a verdade nua e crua é que Serra já teria sido fulminado no 1º turno, caso Marina Silva não tivesse disparado na reta final, obtendo surpreendentes 19,3% dos votos válidos.

O candidato demotucano ficou com os 32,6% que as pesquisas lhe auguravam. Se dependesse só de sua (inexistente) capacidade de reação, teria ido à lona já em 3 de outubro.

A segunda chance lhe caiu do céu, mas ele tinha 14,5 milhões de votos a menos do que Dilma Rousseff. Sabia que o espólio de Marina Silva e demais candidatos derrotados não seria só seu. PRECISAVA DESESPERADAMENTE DESLANCHAR, nas quatro semanas que tinha pela frente.

Ora, nas duas primeiras semanas a campanha de Dilma não só conseguiu superar os danos psicológicos de não haver correspondido à expectativa de que liquidaria logo a fatura, como recolocou a candidata em trajetória ascendente.

Foi a exata repetição do que aconteceu na disputa entre Lula e Alckmin em 2006.

E, como Serra deixara escapar entre os dedos seu melhor momento, dentre outros motivos por causa do desempenho burocrático nos debates, eu apostei tranquilamente que o desfecho também seria exatamente o mesmo de quatro anos atrás.

Não deu outra.

A diferença em favor de Dilma diminuiu um pouco, para 12 milhões de votos. Mas, Serra ficou bem longe de se constituir em verdadeira ameaça.

Ela teve 47,6 milhões de votos no 1º turno e aumentou o total em 8,1 milhões.

Aos 33,1 milhões de Serra acrescentaram-se 10,6 milhões.

Acertaram as pesquisas: os votos de Marina foram redirecionados um pouco mais para Serra.

Só que bem menos do que o necessário para salvarem o demotucano de uma derrota acachapante e que, caso não ocorra um verdadeiro milagre, o condenou a ter mesmo o destino de Brizola: morrer sem realizar seu maior sonho.

TUCANO NÃO É FÊNIX E GUERREIRA 
NÃO DEVE SER ESTÁTUA DE DAVI

Para Serra, o desafio agora é renascer das cinzas. Só que tucano não é fênix e o peso dos erros cometidos nesta campanha -- direitização aberrante e chocante, demagogia religiosa, promessas populistas, etc. -- se tornou lastro que atrapalhará em muito suas tentativas de alçar novo voo.

Dilma, por sua vez, terá de provar que é algo mais do que uma estátua de esculpida com tamanha perfeição pelo artista Michelangelo da Silva que acabou ocupando o melhor pedestal no panteão do Planalto.

Não esquecendo jamais que, tão importante quanto trazer os 43,7 milhões que votaram em Serra para o campo progressista é dar aos 26,8 milhões de desencantados (abstenções, brancos e nulos) motivos para acreditarem que as mudanças são possíveis.

O lulismo no poder já provou sua competência no gerenciamento do estado em conformidade com os interesses dominantes, mas garantindo uma fatia um pouco maior do bolo para aqueles que produzem todas as fatias.

A dívida social, entretanto, está muito longe de ser zerada, como o foi o débito com o FMI.

Torço para que a Dilma saiba aproveitar seu grande momento, não sendo apenas uma estátua de Davi, mas sim a aguerrida companheira que: 
  • como Chaplin, queria chutar o traseiro dos ociosos; 
  • como Cristo, trouxe uma espada para combater a injustiça; e 
  • como Marx, pretendia proporcionar a cada trabalhador o necessário para a realização plena como ser humano.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

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