Serve – Dor e Funcionários Públicos


1. Uma velha senhora, bela negra e devotada crente evangélica da Assembléia de Deus, servidora pública de um município do interior de Rondônia apareceu na casa de sua diretora, fora do horário de expediente, para negociar uma lotação em sua escola como “hora-extra”. Isto é, ela estava querendo ganhar mais um pouco trabalhando num outro horário. O problema, é que esta referida servidora pública municipal se encontra readaptada por motivo de saúde e por ordens médicas, isto é, como faxineira da escolinha, ela não pode trabalhar todo o seu horário e nem mais em qualquer serviço pesado devido a idade e a doença. Mesmo assim, procurou a diretora querendo ser lotada dizendo que omitiria o laudo médico do órgão responsável pela sua contratação como hora-extra. Ela precisava ganhar mais dinheiro.

2. Esse não é o único caso no universo dos servidores públicos. A lógica de tirar vantagens de qualquer situação não é oriunda dela, mas da sociedade onde ela vive. A sua vida dentro dela lhes ensinou a agir assim quando a necessidade a obrigasse. Sua saúde não permite, mas o desejo de ganhar mais manda mais que seu bem-estar físico. Sua ética religiosa convive muito bem com tal comportamento. Bem que Sartre tem razão quando diz que a “existência procede a essência”. Assim sendo, a nobre servidora não hesita, não pensa duas vezes e passa por cima de qualquer ética ou regra para saciar insana fome monetária. Porque, mesmo com a saúde comprometida vai trabalhar, vai servir ao público.

3. Pergunta-se então: esta senhora é uma funcionária ou uma servidora pública? Para mim, ela e outros que age assim, por essa lógica não passam de “serve-dores” ao público. Por que isso- “dores”- é o que ela somente tem a lhes oferecer em troca de alguns míseros trocados a mais em seu salário no final do mês. Dor de cabeça, dores do cansaço, dor de tanto faltar ao trabalho, dor de não trabalhar de fato, dor de trabalhar o insuficiente e de não satisfazer ou dar conta do serviço. Dor pelas ambigüidades que sente em sua alma evangélica, pelo conflito certo, entre sua ética protestante e o cinismo do sistema que essa ética ajuda a sustentar. Dor de cabeça para outros que nem ela pela concorrência “desleal” e dor, um dor insuportável, horripilante, principalmente, para quem dela mais precisa: o cidadão comum que não tem mais a quem recorrer. Talvez, tão comum quanto ela fora do seu expediente de “trabalho”.

4. Funcionário Público pode ser também um servi-dor. Há milhares. Mas pode ser simplesmente o Funcionário Público. Há tão poucos! Ambos com virtudes e defeitos e repletos de inúmeras ambigüidades como qualquer ser humano. Contudo com uma diferença: a singularidade do Funcionário Público. Aquele que realmente serve ao público só pode ser tratado no singular, jamais no plural. Aquele que apesar de não está imune de se transformar no seu oposto, resiste em assegurar sua diferença em meio aos outros que estão ao seu redor em todas as repartições públicas. Esse, não serve dor, mas trabalha –a-dor sua e a dos outros para torná-la menor. Por isso ele faz política, ele estuda, ele se torna reflexivo, muitas vezes pensa e age com ingenuidade, quebra sua cara, é sacaneado, traído e explorado. Por tudo isso, é preterido por pelos que sempre ocuparam os cargos comissionados e, por eles, ficam subordinados. Por isso, vivem e viverão sempre mal. Porque jamais reconhecidos economicamente serão.

5. Se há algumas partes do aparelho estatal que funcionam, minimamente bem para o público, isso é graças ao funcionário público que pode, por sorte do cidadão, está lotado lá. Se o restante funciona mal, tenha certeza, aí estão lotados muitos servi-dores que nem a irmãzinha em Cristo citada acima no começo desse texto. Bom seria que os representantes desse novo governo soubessem distinguir bem um dos outros. Mas, pelo o que já podemos ver, a existência do “banco de gente” operando dentro do governo só ajuda a nos confundir mais e a igualar ambos os conceitos supracitados.

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