Educação e Capitalismo

Alberto Lins Caldas*

      A educação está morta. Defendê-la, da maneira em que está, é aliar-se às causas da decomposição. A Educação, o Ensino, a Cultura, a Inteligência estão mortas. Mas de uma morte estranha. Continuam como se não estivessem mortas. Fedem, mas não a enterramos. Queremos resolver a questão da educação, criando uma teoria da Educação, ou criando uma “comunidade Educativa” onde o mal não possa chegar. Temos que principiar aceitando que a Educação morreu. Pensar a “sociedade” que a destruiu e para quê. De outra maneira, trabalharemos dentro de um corpo decomposto: assumiremos sem querer o discurso que matou e arrasta o cadáver da Educação. Sem cérebro, ela aponta para o coração do próprio capitalismo e é exatamente aí que queremos chegar, mas ele não está num só lugar, mas em todo canto. Todo lugar é o capitalismo. Tudo é só o capital e seus véus.

     A Educação, como a realização do universo social no indivíduo, criando a singularidade ou sua possibilidade, espírito vivo da história humana, está morta. Sem o mínimo de comunidade não há singularidade, com isso a Educação não pode se realizar, a não ser se contentando com muito pouco, sendo simulacro de Educação, escondendo realidades ou criando vazios. Em seu lugar apenas frágeis redes informativas desconectadas constituem o mínimo necessário para dar a impressão de que está “formando” a possível mão-de-obra requerida pelo processo produtivo. As diferentes educações de classe visam somente “formar” diferentes tipos de “trabalhadores”. Do processo foi excluídas a visão histórica e a ação crítica e negativa do saber, fundamento da consciência e da própria filosofia.

      O desespero de alguns educadores é precisamente não reconhecerem a morte da Educação[a instauração de “caos” próprio às redes informativas; o desencontro das informações como fundamento da consciência, impossibilitando a singularidade e, logo, a criticidade; a dissolução da singularidade como condição do atual tipo de exploração] e ficarem impondo um saber sem ouvintes a indivíduos e instituições desapaixonadas e venais. O capitalismo não precisa da consciência, do saber, da singularidade. Impor isso é não encontrar ressonância, é se desesperar. Tentar educar tornou-se uma forma de desespero.

     A constituição da singularidade [meta principal da educação] requer um tipo de educação singular. Fora disso é trabalhar dentro de um corpo em decomposição com medo de perder “emprego”, “projetos”, bolsas e sinecuras. Abanando o cadáver, tapando o nariz, conseguem se manter na sala, na escola, no mercado de trabalho, na justa posição do covarde ou do inconsciente.

     Uma educação filosófica, buscando compreender a singularidade perdida no processo educativo [sintoma máximo da morte da Educação], deverá entender que a lógica científica, o processo produtivo reificador, a ideologia como condição subjetiva da produção/consumo, a fragmentação do saber, do ensino, dos alunos e dos professores, fazem parte do mesmo processo, da mesma realidade, do mesmo labirinto. A impotência da Ciência em compreender integralmente o homem ou criando uma falsa imagem advém da sua lógica técnica alienada e, necessariamente, pulverizada. A educação é essa perspectiva lógica enquanto “ensino-aprendizagem”. Restam somente peças desarticuladas e minúsculos saberes e informações suficientes para manter o bom funcionamento de uma máquina que não podemos nem queremos mais parar. Mas ela é o “reflexo dialético” da sociedade, não há mistério algum. A Educação sendo a expressão da fragmentação coisificante para o trabalho, para a perversa submissão e exploração, tornou-se uma guerra contra a vida, a alegria, o saber e a consciência. Como toda Educação tornou-se adestramento, nenhum aluno pode, sem espernear e gritar, aceitar a destruição programada, a dor de ser dilacerado quando ainda a argila da unidade não secou.

     A Educação não tem como meta educar [todo o conhecimento na sala de aula entra num ouvido e sai no outro], mas preparar o “trabalhador” para a ordem, a máquina, a fragmentação, a autoridade, a submissão, a fraqueza diante da ideologia e da opressão, preparar para um tipo amorfo e covarde de criatura. A principal função da educação é carcerária, preparar os indivíduos para os outros encarceramentos. Educação não tem mais nada a ver com cultura, saber, civilização, consciência, revolta e criação: é somente ante-sala das condições desumanas do trabalho. É um exercício funcional para um mundo fragmentário. Realmente a função da educação é “preparar o homem para o trabalho”.

     Não adianta procurar uma resposta prática.  A prática, no sentido restrito, não nos pode guiar. As “interferências” afastam qualquer aproximação. A “Filosofia” [tradicionalmente metafísica], há muito procura somente o ente-do-ser ou ser-do-ente; a Ciência [pensar vivo do modo de produção capitalista] nada pode responder; as Ciências Humanas, fragmentos impotentes, podem apenas sonhar uma impossível unidade sem desligar-se realmente de um pensar reificado. Uma possível resposta só poderá advir de uma história filosófica e de uma ação radical no mundo.

*EX-PROF.MS.DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA/UFRO
EX-COORDENADOR DO CENTRO DO IMGINÁRIO SOCIAL EM 1994.
CADERNO DE CRIAÇÃO-ANO 01, Nº04; OUTUBRO- PORTO VELHO 1994.

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