DEPOIS DO VENDAVAL

Os pleitos municipais de 2016 revelaram um enorme desencanto do eleitorado brasileiro com a política em geral e com o Partido dos Trabalhadores em particular.

Assim, nas dez cidades brasileiras com maior peso político e econômico em que se realizaram eleições para prefeito –Brasília fica fora da relação porque lá inexiste tal cargo–, o não-voto (abstenções, nulos e brancos) atingiu o percentual de:
  • 34,84% em São Paulo, totalizando 3.096.304 eleitores inscritos, enquanto o eleito, João Doria (PSDB), obteve 3.085.187 votos;
  • 41,53% no Rio de Janeiro, totalizando 2.034.352 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Marcelo Crivella (PRB), obteve 1.700.030 votos;
  • 38,50% em Belo Horizonte, totalizando 742.050 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Alexandre Kalil (PHS), obteve 628.050 votos;
  • 39,48% em Porto Alegre, totalizando 433.751 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), obteve 402.165 votos;
  • 32,74% em Curitiba, totalizando 422.153 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Rafael Greca (PMN), obteve 461.736 votos;
  • 31,86% em Salvador, totalizando 620.662 eleitores inscritos, enquanto o eleito, ACM Neto (DEM), obteve 982 246 votos;
  • 25,13% em Fortaleza, totalizando 425.414 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Roberto Cláudio (PDT), obteve 678.847 votos;
  • 22,30% em Recife, totalizando 257.394 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Geraldo Júlio (PSB), obteve 528.335 votos;
  • 17,30% em Manaus, totalizando 217.540 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Artur Neto (PSDB), obteve 581.777 votos;
  • 39,28% em Campinas (SP), totalizando 322.875 eleitores inscritos, enquanto o eleito, Jonas Donizette (PSB), obteve 323.308 votos.
Ou seja, quem realmente venceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre foi Ninguém, não aquele que sentará na cadeira de prefeito.

E os estados nordestinos continuam tardando em sintonizar-se com o sentimento predominante nas regiões economicamente mais desenvolvidas (aquelas que, segundo Karl Marx, apontam o rumo que as demais seguirão). Em 2014, salvaram Dilma Rousseff da derrota. Dois anos depois já estão rejeitando o PT, mas ainda não estenderam tal rejeição às demais forças da política oficial. Atingirão tal estágio em 2018?

Segundo o Congresso em Foco (vide aqui), o PT despencou de 24,2 milhões de votos obtidos nos dois turnos das eleições para prefeito de 2012 para 7,6 milhões agora, além de passar a comandar uma única capital brasileira (Rio Branco) e de sofrer dolorosa derrota no ABCD paulista, berço político de Lula.
Está pagando caro pela postura que começou a assumir já na década de 1980 e depois foi aprofundando cada vez mais: o abandono dos ideais revolucionários e consequente aposta na melhora das condições econômicas dos explorados sob o capitalismo.

Ou seja, prometeu conduzir a classe operária ao paraíso pelo caminho tão fácil quanto ilusório das urnas; e, previsivelmente, não conseguiu cumprir a promessa. Daí estar agora sendo visto pela maioria dos brasileiros como farinha do mesmo saco, não mais uma exceção à venalidade generalizada, mas tão somente a confirmação da regra de que o homem comum nada de bom deve esperar dos podres Poderes e de quem deles participa.

Isto porque o PT (e boa parte da esquerda não-petista) não levou em conta duas evoluções muito importantes do quadro político e econômico.
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O CAPITALISMO AINDA RESISTE
MAS SUA AGONIA É IRREVERSÍVEL.
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O capitalismo continua minado pela contradição fundamental de que, ao usurpar dos trabalhadores parte substancial dos valores que eles criam, não lhes dá condições de adquirir todos os frutos do seu labor. Tal descompasso, antigamente, levava às crises cíclicas, guerras e agudas depressões, formas extremas de tornar mais equilibradas a oferta e a procura. 

Os marcantes avanços científicos e tecnológicos das últimas décadas vêm reduzindo cada vez mais a componente de trabalho humano nos produtos, o que faz diminuir na mesma proporção o lucro que o capital pode extrair de cada item produzido. Como a expansão ininterrupta é condição sine qua non de sua vitalidade, o fato de cada vez mais chocar-se com limites intransponíveis debilita crescentemente o capitalismo, prenunciando seu colapso definitivo.

A crise devastadora para a qual marcha a economia globalizada só não eclode com força total porque a penúria e o apertar de cintos são transferidos de país para país, com a relativa prosperidade de uns tendo como contrapartida o inferno de outros; e também porque a concessão indiscriminada de crédito sem garantia e a emissão desmedida de moeda sem lastro permitem empurrar com a barriga o acerto de contas, adiando longamente (mas não indefinidamente) o juízo final.

Mais dia, menos dia, o castelo de cartas desabará, impondo ao sistema capitalista como um todo uma depressão econômica tão profunda que fará a da década de 1930 parecer brincadeira de criança. 

Ao trocar a luta de classes pela conciliação de classes, o PT acreditou que bastaria se mostrar tão inofensivo e domesticado quanto um lulu de madame, resignando-se a não meter o bedelho nas decisões macroeconômicas, para os donos do Brasil o deixarem cuidar das miudezas administrativas em paz; e supôs que o bom desempenho que as commodities brasileiras vinham obtendo no comércio internacional durante a década passada duraria para sempre, permitindo-lhe satisfazer o apetite pantagruélico do grande empresariado e, ao mesmo tempo, colocar algumas migalhinhas a mais na mesa dos coitadezas.

O preço destas apostas equivocadas é sua degringola atual.
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A POLÍTICA OFICIAL É SÓ FIGURAÇÃO, O
 PODER ECONÔMICO MANDA E DESMANDA.
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Outro fenômeno que vem se acentuando cada vez mais é o avassalamento do poder político ao poder econômico. Não há mais sobrevivência possível fora do modelo capitalista de inspiração neoliberal, pelo menos enquanto ele for dominante em escala global; países ou blocos que tentam isoladamente confrontá-lo, têm até agora sucumbido. [A bola da vez é a Venezuela, símbolo maior do agonizante bolivarismo.]

A lógica da economia capitalista se impõe esmagadoramente sobre o Executivo e o Legislativo (bem como sobre as instâncias superiores do Judiciário), tornando inócuas as tentativas de colocar em xeque a exploração do homem pelo homem a partir das tribunas parlamentares e dos palácios do governo. Os mandatos eletivos servem para dar boa vida a maus representantes do povo, mas não para emancipar o povo.

Então, outra lição importante a tirarmos da ascensão e queda do PT é que a chamada via eleitoral caducou e hoje só serve para manter a esquerda patinando sem sair do lugar.

O que fazermos, então?

O primeiro passo, obviamente, será estancarmos a hemorragia e voltamos a acumular forças.

Resgatarmos nossa credibilidade, tão abalada por escândalos que jamais poderiam ter ocorrido no nosso campo.

E reerguermos a esquerda, como uma alternativa à política oficial e não como parte do seu sistema.

O tempo das bravatas e dos projetos mirabolantes passou. Temos de, humildemente, voltar a participar das lutas justas da sociedade, dando nossos melhores esforços para que elas frutifiquem, ao mesmo tempo em que estivermos alertando os explorados, humilhados e ofendidos, no sentido de que suas conquistas só serão definitivas com a superação do capitalismo. Até lá, continuaremos assistindo a retrocessos como o empobrecimento, nos últimos anos, da nova classe média que os petistas se ufanavam de haver gerado.

Quanto aos voos maiores, são algo para pensarmos quando a correlação de forças não estiver tão desequilibrada em nosso desfavor como está agora; e também quando as crises econômica e ambiental do capitalismo se agravarem ainda mais, provavelmente interagindo entre si. Tudo leva a crer que, nas próximas décadas, a humanidade enfrentará seu maior desafio em todos os tempos.

Como em 1917 na Rússia e em 1949 na China, é bem provável que então se abram janelas revolucionárias, com os homens redescobrindo a solidariedade na luta que terão de travar por sua sobrevivência ameaçada. Pode ser o ponto de partida para uma reorganização da sociedade em bases bem diferentes, passando a priorizar a colaboração fraterna dos homens em prol do bem comum. (por Celso Lungaretti)

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